Assassinatos de mulheres em casa dobram em SP durante quarentena por coronavírus
Aumento de consumo de bebida alcóolica e perda de renda de famílias ajudam a explicar tendência
Daniel Mariani
Diana Yukari
Thiago Amâncio
SÃO PAULO
O número de mulheres assassinadas dentro de casa quase dobrou no estado de São Paulo no período de quarentena da pandemia do novo coronavírus, em comparação com os mesmos dias no ano passado.
De 24 de março —data em que passou a valer o fechamento de comércios, bares e restaurantes no estado— a 13 de abril, 16 mulheres foram assassinadas dentro de casa. No mesmo período de 2019, foram 9, segundo análise feita pela reportagem dos boletins de ocorrência registrados no estado.
No acumulado do ano até agora foram 55 mulheres assassinadas em casa até 13 de abril deste ano, contra 48 no ano passado, um aumento de 15%.
A análise leva em conta boletins de ocorrência cujo registro diz que o assassinato ocorreu em casa. Os dados são preliminares e podem sofrer alterações. Também é possível que haja mais casos do que os contabilizados pela reportagem, já que alguns campos do boletim de ocorrência, como sexo da vítima, por vezes não são preenchidos.
Além disso, os boletins mostram que 8 mulheres foram mortas pelos parceiros no período da quarentena, contra 3 no ano passado —mas o número tende a ser maior porque a relação da vítima com o autor não é registrada em 95% dos b.o.s.
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Os números apontam um aumento da violência contra a mulher neste período de isolamento, na opinião de especialistas consultados pela Folha. Pesquisa do Ministério Público de SP mostra que 66% dos feminicídios consumados ou tentados foram praticados na casa da vítima.
“As mulheres já viviam numa situação de violência, isso não é uma novidade trazida pelo coronavírus. O confinamento faz com que o conflito se escale, e as mulheres sejam assassinadas. Infelizmente, é provável que haja um aumento ainda maior nos próximos meses”, afirma Samira Bueno, diretora do Fórum Brasileiro de Segurança Pública e pesquisadora do tema.
Alguns fatores que contribuem para esse crescimento durante a quarentena, segundo a pesquisadora, são o aumento do consumo de bebidas alcoólicas e problemas socioeconômicos com a perda de renda.
Ela lembra que em 2019 já havia acontecido um aumento da violência doméstica em relação ao ano anterior, número que, com o confinamento provocado pelo coronavírus, pode crescer ainda mais.
Um levantamento do Ministério Público de SP publicado nesta semana mostrou que os pedidos de medidas protetivas de urgência feitos por mulheres cresceram 29% em março em comparação com fevereiro. O número saltou de 1.934 para 2.500 de um mês para o outro.
O número de prisões em flagrante por violência contra a mulher (homicídio, ameaça, constrangimento ilegal, cárcere privado, lesão, estupro etc.) também cresceu: foram 177 em fevereiro e 268 em março.
“Já houve uma redução no número de inquéritos policiais e processos, não porque a violência diminuiu, mas porque os prazos na Justiça estão suspensos até o fim de abril. Então optamos por levantar procedimentos urgentes, como as medidas cautelares e prisões em flagrante, que não pararam neste período”, afirma a promotora Valéria Scarance, uma das responsáveis pelo estudo.
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“A pandemia não transforma o homem em uma pessoa violenta. Mas os fatores de estresse podem fazer com que um homem que já carrega dentro de si esses padrões pratiquem o ato ou o intensifiquem”, diz.
Samira Bueno afirma que o aumento nas mortes durante a quarentena era esperado, pela experiência de outros países, como China, Itália e França, onde também se viu crescer a violência doméstica.
Autoridades mundiais se manifestaram contra a escalada na violência, como o secretário-geral da ONU, António Guterres. “Eu rogo a todos os governos que coloquem a segurança das mulheres em primeiro lugar nas respostas à pandemia”, escreveu numa rede social.
Os países traçaram diferentes estratégias. O governo francês, por exemplo, decidiu pagar quartos de hotel para vítimas de violência e abrir centros de aconselhamento. ONGs na Itália lançaram campanhas para que as mulheres fizessem denúncias quando fossem ao mercado ou colocar o lixo para fora, por exemplo, lembrando-as o de apagar o histórico da chamada no celular.
Scarance lembra que a responsabilidade pelo fim da violência doméstica não é só da vítima, mas que a comunidade também deve se atentar a isso.
“Nesse período de isolamento, é muito importante que as pessoas fiquem atentas e não se calem. Se qualquer pessoa escutar atos de violência e de agressão, a recomendação é que acionem imediatamente o 190.”
“E, para as mulheres, a recomendação é não desistir. Existe um isolamento físico, mas as redes não estão isoladas. A mulher pode acionar os serviços de proteção, as pessoas de confiança, e cuidar para sair dessa situação.”
Vítimas de violência doméstica podem denunciar o abuso à Polícia Militar, pelo telefone 190, ou pelo disque-denúncia do governo federal, o 180, numa delegacia da mulher (veja lista e endereços aqui) ou à promotoria ou defensoria pública. Na capital paulista, pode-se procurar também a Casa da Mulher Brasileira (r. Vieira Ravasco, 26, Cambuci), que funciona 24h por dia e vai encaminhar à vítima ao serviço mais indicado.
As denúncias também podem ser feitas pelos aplicativos SOS Mulher, do Governo de SP, e Direitos Humanos Brasil, do governo federal.
Erramos: o texto foi alterado
15.abr.2020 às 14h40
Versão anterior desta reportagem dizia que o campo de endereço nos boletins de ocorrência, por vezes, não é preenchido. Esse campo sempre é preenchido.