Com cortes de direitos dos servidores, Senado aprova proposta em dois turnos, com inclusão de estado de calamidade para concessão de auxílio emergencial de apenas R$ 250, por ínfimos quatro meses
Por 62 a 16, o Senado aprovou, nesta quarta-feira (3), em 1º turno, a chamada “PEC Emergencial” ou PEC 186/19, que faz parte do “Plano Mais Brasil”, encaminhado pelo governo em 2019, cujo propósito, na contramão do que ocorre na parte desenvolvida do mundo, é “reduzir gastos públicos”. A PEC é assinada pelo líder do governo na Casa, senador Fernando Bezerra Coelho (MDB-PE), mas é originalmente de autoria do Executivo.
Foram rejeitados todos os destaques à proposta. Assim, o plenário aprovou o substitutivo apresentado pelo relator, senador Marcio Bittar (MDB-AC). A PEC segue para votação, em 2º e último turno, a partir das 11h desta quinta (4). O texto, em seguida, vai ao exame da Câmara dos Deputados, onde terá “rito acelerado”.
Antes de votar o texto da PEC, os senadores rejeitaram, por 49 a 25, pedido de destaque do senador Alessandro Vieira (Cidadania-SE), que pretendia “votar separadamente” artigo da proposta que autoriza o pagamento do auxílio emergencial.
O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), propôs e foi aprovada a quebra do interstício regimental para que os dois turnos da PEC fossem cumpridos nesta quarta-feira.
No texto aprovado, o relator, senador Marcio Bittar (MDB-AC), retirou o “bode da sala”, que era a extinção dos repasses mínimos para os fundos constitucionais da saúde e educação. O governo queria realmente aprovar essa excrescência, todavia a resistência foi maior do que o Planalto esperava, porque também partiu de sua base de apoio.
Mas a retirada desse esbulho, que seria o fim desses fundos tão essenciais, sobretudo o da saúde, em razão da crise pandêmica, que gera profunda crise sanitária e na saúde, não significa que o texto melhorou.
A lógica continua sendo a neoliberal, de retirada de direitos, que vulneram o Estado brasileiro e os servidores públicos. É como diz o veterano dirigente sindical do Paraná, Ruy Brito de Oliveira Pedroza, “não é apenas o neoliberalismo; é sua ofensiva neoliberal” contra direitos e conquistas.
“CRIMINALIZAÇÃO DO SERVIÇO PÚBLICO”
O governo está se aproveitando das imensas fragilidades da sociedade brasileira, relacionadas à pandemia do novo coronavírus, para atropelar com as contrarreformas neoliberais. É o caso da “PEC Emergencial”.
Ao debater a matéria, o líder do PDT, senador Weverton (MA), criticou as políticas de “criminalização do serviço público” no contexto da PEC. “Primeiro, porque é claro que esta matéria, tirando o auxílio emergencial, todas as outras não são, simplesmente, matérias para serem discutidas de forma açodada e em reuniões retalhadas, em que você termina aqui numa reunião, corre para ler voto complementar, você faz um acordo com um líder, faz com outro. Não é esse tipo de solução que nós precisamos construir”, destacou.
E acrescentou: “Os bancos, só no ano passado, tiveram uma ‘queda grande’, um ‘prejuízo’ — eu estou morrendo de pena deles: eles caíram de quase R$ 100 bilhões para R$ 61 bilhões, de lucro. Só os bancos, entre esses, os três maiores: Itaú, Santander e Bradesco. E aí nós estamos falando de R$ 44 bilhões a pretexto de se fazer, mais uma vez, a política de criminalização e de arrocho do serviço público, como se fossem eles o câncer e o problema do País.”
NOVO RELATÓRIO
Para viabilizar o auxílio em 2021, a “PEC Emergencial”, pelo novo relatório, permite que esse seja financiado com créditos extraordinários, que não são limitados pelo teto de gastos. As despesas com o programa não serão contabilizadas para a meta de resultado fiscal primário e também não serão afetadas pela chamada “regra de ouro” (mecanismo que proíbe o governo de fazer dívidas para pagar despesas correntes).
As medidas de ajuste fiscal mantidas no texto incluem gatilhos de contenção de gastos para União, Estados e municípios. Na esfera federal, todas as vezes em que a relação entre as despesas obrigatórias sujeitas ao teto de gastos e as despesas totais supere 95%, os poderes Executivo, Legislativo e Judiciário e o Ministério Público deverão vedar aumentos de salário para o funcionalismo (congelamento salarial por dois anos), realização de concursos públicos, criação de despesas obrigatórias e lançamento de linhas de financiamento ou renegociação de dívidas.
Os Estados e municípios estão sujeitos à mesma regra dos 95%, porém apenas de forma facultativa. No caso desses entes federados, também será possível acionar as medidas de contenção de gastos quando a relação entre despesas correntes e receitas correntes atingir 85%. Nesse caso, a implementação dependerá apenas de atos do Executivo, com vigência imediata.
A PEC também traz a previsão de diminuir incentivos e benefícios tributários existentes. Segundo o texto, o presidente da República deverá apresentar, em até seis meses após a promulgação da emenda constitucional, plano de redução gradual desse tipo de benefício. São feitas exceções a programas como o Simples, o subsídio a produtos da cesta básica e a Zona Franca de Manaus. Bittar acrescentou a essa lista de ressalvas outras áreas de livres comércio. Ele também incluiu previsão de revisão de incentivos fiscais estaduais e municipais no dispositivo.
MUDANÇAS ACATADAS PELO RELATOR
Dentre as modificações sugeridas por vários senadores, e acatadas pelo relator, destacam-se as seguintes:
1) limitação do montante de despesas que poderá ser excepcionalizado das regras fiscais no exercício de 2021;
2) possibilidade de utilização do superávit financeiro dos fundos para pagamento de dívida mesmo sem a decretação de estado de calamidade de âmbito nacional;
3) vedação à concessão de empréstimos e garantias para Estados e municípios que não adotem medidas de ajustes durante a calamidade nacional;
4) ampliação do prazo para pagamento de precatórios dos Estados, do Distrito Federal e dos municípios;
5) possibilidade de vinculações de receitas a determinadas atividades de defesa e segurança;
6) supressão do artigo 168-A da Constituição proposto pelo substitutivo;
7) redução do prazo de vigência das vedações em caso de calamidade pública; e
8) criação de nova exceção à regra geral de redução de incentivos e benefícios tributários, alcançando, além da Zona Franca de Manaus, as outras áreas de livre comércio e as zonas francas estabelecidas na forma da lei.
AUXÍLIO PÍFIO E POR POUCO TEMPO
O governo já “bateu o martelo” em relação ao valor do auxílio emergencial, sua abrangência e duração. Vai ser de R$ 250, a metade dos que receberam nas primeira e segunda fases, em 2020, e, por apenas quatro meses. Nesse formato, vai ser o caos social.
O valor é baixíssimo. A abrangência é pequena e a duração é por tempo diminuto. Tudo errado. Assim, a crise econômica que persiste desde o impedimento da ex-presidente Dilma Rousseff, com taxas negativas e abaixo da média, vai persistir em 2021 e 2022.
É o fundamentalismo ortodoxo neoliberal de Paulo Guedes e do mercado, que só enxergam à frente políticas cíclicas para reverter a crise, que só se aprofunda.
A oposição, e os movimentos sindical e sociais defendem valor maior, R$ 600; a mesma abrangência da primeira fase, quando quase 70 milhões de trabalhadores foram beneficiados pelo auxílio, e que seja concedido por no mínimo seis meses.
A queda no PIB (Produto Interno Bruto) em 2020, que despencou 4,1% é reflexo dessa assertiva duplamente. Se não houvesse o auxílio, a queda teria sido mais drástica; se tivesse continuado sem redução do valor e por mais tempo, teria sido bem menor.
Segundo o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) só houve alta na Agropecuária (2,0%) e quedas na Indústria (-3,5%) e nos Serviços (-4,5%). O PIB totalizou R$ 7,4 trilhões em 2020.
A economia brasileira está estagnada. A profunda crise econômica porque passa o país não pode e/ou deve ser debitada, apenas, na pandemia. O PIB de 2019, com crescimento pífio de 1,1%, que totalizou R$ 7,3 trilhões, evidencia isto.
RITO ACELERADO NA CÂMARA
O presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL) informou, na terça-feira (2), que maioria dos líderes partidários concordou em adotar “rito acelerado” para a PEC. Com isso, quando a matéria chegar à Câmara, será votada diretamente no plenário.
De acordo com Lira, a chamada “tramitação especial” é uma maneira de viabilizar o auxílio emergencial já em março.
“A maioria dos líderes da Câmara dos Deputados manifestou apoio à tramitação especial — direto em plenário — da ‘PEC Emergencial’, como forma de garantir o pagamento do auxílio emergencial já em março”, afirmou Lira.
Normalmente, as PECs passam inicialmente pela CCJ (Comissão de Constituição e Justiça), que analisa se a proposta está de acordo com os princípios jurídicos e constitucionais. Depois, o mérito (conteúdo) é debatido em comissão especial, que pode alterar o texto.
Por se tratar de emenda à Constituição, a PEC tem que ser aprovada por 3/5 ou 49 votos no Senado e 308 votos na Câmara, em dois turnos.
OPOSIÇÃO DISCORDA
A decisão de adotar “tramitação especial” encontrou resistência da oposição na Câmara. Partidos contrários ao acordo querem aguardar a votação da proposta no Senado antes de se comprometerem a acelerar a aprovação.
“Não houve acordo da oposição em votar uma PEC que desmonta os direitos sociais garantidos pela Constituição a ‘toque de caixa’. É um escândalo fazer essa chantagem para votar o urgente auxílio emergencial”, afirmou a líder do PSol, Talíria Petrone (RJ).
Segundo a deputada Alice Portugal (PCdoB-BA), a “urgência será votar a parte do auxílio emergencial”, se possível, “elevando-o a R$ 600”.
“Esse conjunto de regras [a PEC 186] que pretende conter os gastos públicos, infelizmente retirando direitos, prejudicando os servidores públicos e fazendo a simulação que esse tipo de ação, que beneficia o mercado, que substituirá o Estado numa série de funções que são precípuas do mesmo, sem dúvida [acredita o governo] levará à possibilidade do pagamento do auxílio emergencial. Isso não é verdade”, rebateu Alice.
“O auxílio que está sendo previsto é mínimo, de [apenas] R$ 250, não tem como garantir a cobertura de comida à mesa, o pagamento do gás de cozinha, que está quase R$ 100. A verdade é que a ‘PEC emergencial’ é um simulacro de ação solidária para iniciar, de maneira perversa, mais um ajuste fiscal, condicionando a esse, a necessária solidariedade [auxílio emergencial] com a população, que passa nesse momento, por doença e fome”, completou a deputada.