Liberar FGTS não recupera economia e prejudica habitação, dizem especialistas
Data de publicação: 22 Jul 2019
Em entrevista ao Brasil de Fato, Maria Fernanda Coelho, ex-presidente da Caixa, critica decisão do governo / (Foto: Divulgação)
por Lu Sudré
edição de João Paulo Soares
“É uma pequena injeção na economia”, disse o presidente Jair Bolsonaro (PSL) ao anunciar que o governo deve liberar saques de contas ativas do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) para impulsionar o consumo. A medida é vista por especialistas como um paliativo ineficiente, com objetivo de mascarar a estagnação econômica do país.
O Brasil chegou ao sexto mês de governo Bolsonaro com 13 milhões de desempregados e 63,4% das famílias endividadas. Enquanto isso, as previsões para o PIB, mesmo as oficiais, despencam. Na semana passada, o Ministério da Economia reduziu a expectativa de crescimento em 2019 de 1,6% para 0,81%.
Ouça o áudio:
“Dada a conjuntura atual de elevado desemprego e endividamento que as famílias estão, os recursos que serão sacados vão ser destinados, em grande parte, para quitar dívidas e outra para consumo. Verificamos que, claro, haverá um impulso, uma melhora no consumo. Até porque a previsão é que um elevado montante seja liberado e isso vai ter um impacto para a economia, mas é um impacto localizado, pontual. Muito aquém do que precisamos para reativar a atividade econômica”, analisa o economista André Paiva, integrante do grupo de pesquisa em Desenvolvimento Econômico e Política Econômica da PUC-SP.
Paiva diz que a economia “está apenas andando de lado” e não acredita que a medida mudará esse quadro. Ele lembra que o então presidente Michel Temer fez o mesmo em 2017, com as contas inativas do FGTS, e pouco resolveu.
“Não foi suficiente para rearticular cadeias produtivas, fazer com que as empresas retomassem projetos de investimentos e que realmente tivessem uma retomada de nível de atividades consistentes”, diz.
Habitação e saneamento
Inicialmente, o governo informou que pretendia injetar até R$ 42 bilhões na economia, mas, no dia seguinte, refez os cálculos e declarou que a liberação deve se limitar a R$30 bilhões – o equivalente a 35% dos recursos do FGTS.
Para Maria Fernanda Coelho, ex-presidente da Caixa Econômica Federal no governo Lula, a medida é de “uma irresponsabilidade absoluta”, já que os recursos do FGTS são usados para promover o financiamento nas áreas da habitação, saneamento e infraestrutura.
“Não tem qualquer análise, não tem perspectiva que isso possa, no futuro, gerar emprego e renda para o trabalhador. E o Fundo de Garantia é isso, um fundo que busca dar uma garantia e estimular investimento para que ele possa ter um emprego”, afirma.
Ela lembra que o governo Bolsonaro extinguiu a faixa 1 do Programa Minha Casa, Minha Vida, voltada para a população que recebem até três salários mínimos, o que sinaliza um desmonte em relação às políticas de moradia.
“As pessoas resgatam os recursos para pagamento de dívidas e normalmente dívidas com os bancos. É uma medida que beneficia fundamentalmente as instituições financeiras, porque as pessoas têm dívidas no cheque especial, no cartão de crédito”, explica Maria Fernanda.
Ela completa: “Claro que, para o cidadão que paga sua dívida, é uma coisa muito importante. Ele está em uma situação normalmente com juros escorchantes, absurdos, principalmente se estiver com dívidas no cartão de crédito ou comércio. Porém, nada além disso. O governo não tomou nenhuma medida que possibilitasse qualquer tipo de investimento, geração de emprego ou expectativa positiva em relação a classe trabalhadora. Ao contrário: o que temos visto é a supressão de direitos de forma permanente”, critica a ex-presidente da Caixa.
Contradição
Além das críticas, o economista André Paiva vê uma contradição na medida.
Ao liberar o FGTS, o governo utilizará patrimônio dos próprios trabalhadores para impulsionar a economia. Porém, no pensamento defendido pelo governo Bolsonaro, o próprio mercado seria responsável pelo crescimento econômico.
“A partir do momento que existia o indicativo de aprovação da reforma da Previdência, de maior abertura comercial, uma política fiscal ultrarrestritiva, ele defende que as empresas iriam retomar o crescimento. Que ele retiraria a atuação do setor público para o mercado privado atuar, que o mercado impulsionaria a atividade econômica. No entanto, essa é a linha de pensamento adotada desde o Joaquim Levy e verificamos que a economia piorou significativamente”, afirma Paiva.
Fonte: Brasil de Fato