Presidente da Fessp-Esp informa: Doria expõe servidores públicos ao risco de contágio do coronavírus, dizem entidades
São Paulo – Servidores públicos do estado de São Paulo afirmam que as medidas emergenciais decretadas pelo governador João Doria (PSDB) são insuficientes para prevenir o contágio do novo coronavírus.
O decreto, publicado na terça-feira (16), no Diário Oficial, permite aos funcionários idosos com mais de 60 anos, gestantes e portadores de doenças respiratórias crônicas, cardiopatias, diabetes, hipertensão ou outros problemas de saúde – que integram grupo de risco da doença – que exerçam sua jornada laboral mediante teletrabalho, o chamado home office.
Mas mantém em regime presencial mesmo os demais trabalhadores que, de acordo com a categoria, poderiam exercer suas atividades de casa, conforme recomendação do Organização Mundial da Saúde (OMS).
“Ele (Doria) não considerou, por exemplo, mães e pais que têm filhos com doença crônica, mães que têm filhos pequenos que estão em casa, pessoas que cuidam de idosos, não considerou ninguém nesses termos. Eu, por exemplo, tenho filho asmático, outra tem filho com deficiência, e a gente está indo trabalhar. Essa semana inteira não pudemos fazer teletrabalho e podemos estar passando (o vírus) para as nossas famílias”, critica uma servidora pública que preferiu não se identificar por medo de retaliações.
“Esses funcionários que ele (Doria) está expondo ao risco, expõem toda a sociedade ao risco também”, acrescenta.
O decreto 64.864 também deixa de fora do home office funcionários da secretaria de Saúde, Segurança Pública, Administração Penitenciária, incluindo os que têm mais de 60 anos.
Assim como servidores da Fundação Casa, Instituto de Assistência Médica ao Servidor Público Estadual (Iamspe), Companhia do Metropolitano (Metrô), Companhia Paulista de Trens Metropolitanos (CPTM), Empresa Metropolitana de Transportes Urbanos de São Paulo (EMTU), Companhia de Saneamento Básico (Sabesp) e “outras repartições que, por natureza, necessitem de funcionamento ininterrupto”.
O presidente do Sindicato dos Funcionários Públicos de São Paulo (Sispesp), Lineu Neves, endossa as críticas dos servidores que temem o contágio do coronavírus, mas pondera, no entanto, que é preciso reconhecer que a “situação é delicada, inclusive para o governo”.
“Se eu posso trabalhar de casa, se a minha atividade permite isso, ou seja, tenho essa condição, por que não trabalhar de casa? Por que não evitar o risco de talvez eu transferir o próprio vírus, que eu já tenho, para um cidadão que eu vá atender, ou para o meu local de trabalho, ou para minha casa? Estamos ponderando isso. O governo também precisa olhar para essa situação”, explica Neves.
Um outro ponto do decreto que vem sendo criticado pelos trabalhadores é o uso imediato de férias ou licença prêmio. Funcionários públicos que não poderão exercer o teletrabalho afirmam que a medida não contempla parte dos servidores e, mesmo para os que poderão aproveitá-la, a volta ao trabalho se dará no período de pico da doença, segundo eles.
Pelo decreto, caberá ainda a cada entidade, mediante a portaria, resolução e ato de dirigente, definir as normas para que seja feito o regime em home office.
O presidente do Sispesp disse que a entidade tem feito vários encaminhamentos individuais ao governo estadual, por meio dos sindicatos filiados, para que áreas do funcionalismo que não sejam prioritárias possam exercer seu trabalho à distância. “Mas, de pronto, queremos que o governo dê toda condição de trabalho para as pessoas, que elas tenham realmente equipamentos de proteção, álcool em gel, orientação e que seja suspenso tudo aquilo que for possível”, aponta Neves.
“Estamos cobrando do estado para que ele realmente olhe para o servidor público como uma ferramenta principal das suas ações na defesa do interesse da sociedade”.
Em nota, a assessoria do Governo de São Paulo afirmou que, até o momento, foi identificada a necessidade de teletrabalho apenas para os profissionais que estão no grupo de risco. “As medidas são definidas para garantir a saúde da população em geral e a manutenção dos serviços públicos. As determinações valem até o momento e são revisadas diariamente pelo Comitê Extraordinário Administrativo para possíveis alterações, de acordo com o panorama da disseminação do coronavírus no estado, que é acompanhado em tempo real”, garantiu o estado.
Crise expõe desmonte da estrutura pública
Para o secretário de administração do Sindicato dos Trabalhadores Públicos da Saúde de São Paulo (SindSaúde-SP), Gervásio Foganholi, o decreto de Doria revela, na verdade, os efeitos da política de Estado mínimo, que vem impedido a contratação de funcionários em áreas como a saúde, por exemplo, com a defasagem dos concursos.
A prova disso, segundo ele, é que mesmo os profissionais da área com mais de 60 anos, que estão no grupo de risco, terão de estar na linha de frente no combate à pandemia.
“Quando governos, tanto o governo estadual, João Doria, e governo federal, Jair Bolsonaro, vêm com essa discussão de Estado mínimo, de reduzir o papel do Estado, isso traz um prejuízo muito grande para a sociedade. Por isso que a gente defende o SUS veementemente, por isso que a gente defende que tem que ter mais concurso público, que é preciso fortalecer o papel do Estado nesse processo”, contesta o secretário do SindSaúde-SP.
Lineu Neves acrescenta que essa visão “de enxugamento da máquina” fez “acabar com a administração pública”. “E numa situação dessas (de pandemia), não é a empresa que vai salvar. Nós temos até empresas propondo doações disso e daquilo, mas é a gestão pública, a máquina pública nas mãos dos servidores que nessa hora faz diferença”, defende.
As entidades também fazem críticas à imposição da Emenda Constitucional 95, o Teto de Gastos, que limitou investimentos sociais e já retirou R$ 20 bilhões da saúde pública. O SindSaúde ainda demanda do governo tucano que os profissionais no grupo de risco possam trabalhar em áreas que não estejam tão expostas à contaminação. Além de garantir a proteção dos funcionários que irão atender a população contaminada ou com suspeita.
Questionada quanto às propostas da representação dos trabalhadores, a Secretaria Estadual de Saúde limitou-se a responder que foi feito um “reforço no estoque de insumos dos profissionais da saúde dos hospitais estaduais, incluindo: 5 milhões de máscaras descartáveis, 15 milhões de luvas, 48 mil litros de higienizadores em gel e mil aventais, além de máscaras cirúrgicas e óculos descartáveis”, descreveu em nota.
Presos e agentes penitenciários
O Sindicato dos Agentes de Segurança Penitenciária e demais Servidores Públicos do Sistema Penitenciário (Sindcop) entrou com representação na Justiça pedindo a suspensão de visitas e o afastamento dos profissionais que estão no grupo de risco do coronavírus, mas que deverão continuar atuando por determinação do governo paulista.
De acordo com o presidente do Sindcop, Gilson Pimentel Barreto, não houve até o momento um retorno por parte da Secretaria de Administração Penitenciária (SAP). “Isso é uma questão de saúde pública, não é uma questão de segurança ou represália com o apenado, simplesmente é uma questão de pandemia, uma coisa que vai fugir do controle das autoridades de saúde e do governo”, disse à reportagem da RBA.
Nesta quinta-feira (19), o Sindicato dos Funcionários do Sistema Prisional do Estado de São Paulo (Sifuspesp) afirmou que já há um caso de um detento contaminado pelo coronavírus e que o sistema prisional já registra outros contágios. A SAP, no entanto, negou a informação.
Barreto alerta, no entanto, que é preciso se preocupar com a situação dos encarcerados e dos servidores, que coloca ainda em risco os familiares de ambos. “A unidade prisional é de natureza um lugar insalubre, ali você já tem nos dias de hoje muitas pessoas com tuberculose e outros tipos de doenças infecto-contagiosas. E do mesmo jeito que você tem a superlotação prisional, você tem um baixo efetivo de servidores, tanto os policiais penais, como equipe de saúde. As unidades não têm quadro de saúde que comporte essa luta e elas não estão preparadas para esse enfrentamento da questão vírus”.
À RBA, a SAP alegou que as visitas serão suspensas, mas em comunicado no site da administração, no entanto, consta que neste final de semana cada preso poderá receber apenas um visitante. A secretaria também disse oferecer mecanismos de proteção padrão como máscaras cirúrgicas e luvas descartáveis aos funcionários e que há um plano de contingência para caso haja suspeita de contaminação em alguma unidade prisional.
“No surgimento de algum caso suspeito, o preso deverá ser isolado e será contatada a Vigilância Epidemiológica local”, apresentou em nota. Entidades como o Instituto de Defesa do Direito de Defesa (IDDD) apontam, no entanto, que a suspensão de visitas não é suficiente para impedir focos de infecção. Em liminar enviada ao Supremo Tribunal Federal nesta semana, o IDDD pediu a avaliação de medidas alternativas ao cárcere para presos que estão no grupo de risco ou que não tenham cometido crime com violência. Ministros, no entanto, vetaram o cumprimento do pedido.