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Brasil x Covid-19: Democracia em suspensão?

 

Além das iminentes tragédias, econômica e social, será que o novo coronavírus trás, clandestinamente, uma tragédia à democracia brasileira?


por João Domingos Gomes dos Santos
Até para o mais desatento cidadão que olhar o desenrolar do dia a dia do Governo Brasileiro na gestão da Pandemia do COVID-19 com um mínimo de senso crítico, enxergará o fato, ou ao menos a sensação, de que o Presidente da República não governa. Mas quem  governa então? Sob que regime de governo vivemos? Não existe, ao meu ver, uma resposta direta e simples para este enigma.

A verdade é que a crise gerada pela pandemia do Novo Coronavírus pode estar gestando uma nova jabuticaba (fruta que originariamente só existia no Brasil). A última configuração dada ao “Gabinete de Crise” dá cores e formato ao que quero demostrar.

Até pouco dias vivíamos em um ambiente beirando o caos institucional quanto ao tema. Desobediência legal por parte dos Governos Estaduais e Municipais que, de forma individual, enfrentavam juntos o Executivo Federal; anarquia interna no Governo Federal, onde o Ministro da Saúde, que ante o desgoverno, chamou para si a responsabilidade de ordenar as ações do Executivo, baseadas na ciência, no bom senso, nas orientações da OMS e, principalmente, no resultado dos acertos e desacertos dos países por onde a pandemia já está em um estágio que ainda, lamentavelmente, vai nos atingir – como seremos atingidos depende de nós. O Presidente da República enfrentando, desautorizando  e debochando da orientação de seu Ministro da Saúde e das evidências, chegando ao ápice de convocar e participar de uma manifestação popular de rua. São esses apenas alguns exemplos, dentre absurdos diários de maiores ou menores proporções e consequências.

Com as costumeiras ações erráticas e espalhafatosas do Presidente Bolsonaro, de ditos e desditos, de sim e não para a mesma coisa, dependendo da ocasião e da plateia, como, por exemplo, ter um comportamento em público, outro nas mídias sociais e outro nas mídias tradicionais. Tornou-se uma imagem recorrente e corriqueira o Presidente da República fazer bravata de manhã para seus seguidores radicais (que diminuem diariamente) e à noite, em pronunciamentos, se ajustar ao que foi decidido por seus ministros. Parece, e é, uma estratégia cuidadosamente planejada de auto isolamento, buscando a ingovernabilidade, a desordem institucional e a sublevação pública. Este seria o ambiente favorável para aplicar um autogolpe, a partir da decretação do Estado de Sítio evoluindo para um governo ditatorial, como sempre pregou e prometeu. Pode ser até que isto aconteça, mas o tiro está saindo pela culatra para Bolsonaro.

Alguns fatos, que fundamentam as conclusões a que chego ao final deste artigo, devem ser observados com atenção.

Ministros da maior proeminência política e com credibilidade acima do Presidente, como o Ministro da Justiça, Sergio Moro, o Ministro da Infraestrutura, Tarciso de Freitas e até o Ministro da Economia Paulo Guedes, o “Posto Ipiranga”(sabe e faz tudo) não acompanham as posições do Presidente e sustentam o Ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta (o verdadeiro Super Ministro do Governo). Militares da mais alta patente, credibilidade e comando junto às tropas têm diferentes posicionamentos contrários às orientações e posicionamentos do Presidente. Por exemplo, o General Santos Cruz, um dos mais proeminentes militares brasileiros e ex- Secretário Nacional de Segurança Pública do Governo Bolsonaro,   partiu para o ataque direto e virulento contra o Presidente. O Comandante do Exército, General de Exército Edson Leal Pujol, fulmina o posicionamento de Bolsonaro de que o COVID-19 é apenas “uma gripezinha” e declara que “essa pandemia será  a missão mais importante de nossa geração”. O Ex-Comandante do Exército, General Villas Bôas, entre os mais carismáticos e influentes da tropa, decreta que “tem que distinguir o Exército do Governo”, descolando as Forças Armadas do alinhamento automático com Bolsonaro. 

Ante o exposto, percebe-se que nenhum dos ministros, sequer os militares, o que inclui o Vice-Presidente da República, General Hamilton Mourão, saem em defesa do Presidente. Somente resta a Jair Bolsonaro o apoio do dito “Gabinete do Ódio”, formado por seus familiares e Ministros do núcleo ideológico, sob o comando do autoproclamado filósofo Olavo de Carvalho, guru do Presidente e seus filhos, figura que mais personifica os aspectos caricatos do Governo.

Os mais poderosos órgãos de imprensa profissional, de direita e centro direita, como Rede Globo, Grupo Folha, Veja e outros, partem para o enfrentamento total e a franca troca de golpes com o Presidente. E ninguém fora do núcleo ideológico do Governo lhe faz a defesa. O Congresso Nacional, especialmente o Presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia – a autoridade mais poderosa do país hoje -, em que pese ter vários pedidos de impedimento do Presidente da República, mais de uma dezena de acusações de crimes de responsabilidade contra o Presidente da República, assume a posição de estadista maior e diz que “não é a hora” de começar o processo de impeachment devido à crise. Importante dizer, aqui, que ao Presidente da Câmara cabe o papel de Chefe de Estado nesse parlamentarismo surreal.

Percebam o que me proponho a demonstrar! Esse ambiente todo criou o gatilho que nos autoriza a concluir que temos um esdrúxulo, porém real, Governo Paralelo no Brasil. Esdrúxulo porquê? Porque é um Presidencialismo onde o Presidente não governa sebdo mais um parlamentarismo extra-constitucional que agora se consolida com a figura de um Primeiro Ministro. Essa situação fere brutalmente o núcleo dura da Carta Magna Brasileira, que somente admite o Presidencialismo como forma de governo.

Dentre as autoridades, lideranças, parlamentares, imprensa e outros dessa linha, que são e estão mais bem informados, é voz corrente que as Forças Armadas Brasileiras, juntamente com os Ministros Militares, totalmente articulados com o Congresso Nacional, o Supremo Tribunal Federal e Ministros não “Olavistas”, decidiram e assumiram uma intervenção no Governo. Assim se salvaria o próprio Governo e a imagem pública, não um governo militar, mas de um governo dirigido por militares. Ao mesmo tempo, salvaria as Forças Armadas de chancelar os possíveis resultados do Governo Bolsonaro, que provavelmente entrará para a história como o mais desastrado administrativamente, o mais cruel socialmente e o mais impatriótico, na medida em que liquida a soberania nacional – um valor maior para as Forças Armadas -, quando entrega o país ao domínio estrangeiro, transformando o Brasil em um mero apêndice dos Estados Unidos.

Em que pese essa interpretação não reverberar no Brasil, essa percepção já foi assumida por organismos, instituições, corporações e imprensa internacional, cada qual com sua nuance e interesses.

Hoje, o Gabinete de crise da pandemia do CONVID-19 é a experiência de um governo paralelo. Tem, inclusive, o “Primeiro Ministro”, acreditado pelas Forças Armadas, pelo conjunto de Ministros que governam o país, pela grande mídia nacional, pelo Congresso Nacional, pelo Poder Judiciário, e, principalmente, pelo mercado.

Nosso Primeiro Ministro já tem até alcunha. É chamado, corretamente até, de Chefe do Estado Maior do Planalto. Esse Governo paralelo tem também uma forma transitória, onde o Presidente Bolsonaro poderia continuar com suas performances diárias para seu público interno e íntimo. Mas o Primeiro Ministro teria autoridade para contradizê-lo, como Chefe de Governo.
É, portanto, um governo completo: Chefe de Estado e estadista, o Presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia. Primeiro Ministro, portanto, Chefe do Governo, General Braga Neto – Ministro Chefe da Casa Civil e Coordenador do Gabinete de Crise. Falta o animador do Governo, o Bobo da Corte. Ou ele já estaria representado em uma ou mais das figuras citadas?

São essas as pontuações e inquietações que quero deixar.  Sei que essa opinião será bombardeada pela militância digital e radical. Sei que tudo isto pode parecer apenas elucubrações de um “samba do crioulo doido” como poetizou o escritor, jornalista e poeta Sergio Porto. Mas, para mim, é a forma de tentar ser útil e proativo nesses tempos de crise e recolhimento. É, também, uma forma de socializar minhas informações e análise da conjuntura, sob as interpretações que tenho delas.

Ao concluir, alerto para o fato irrevogável de nossa responsabilidade para com o desfecho da crise do COVID-19.

Temos em perspectiva uma catástrofe econômica que vai ceifar empregos, empregadores e renda; de igual forma, temos em perspectiva uma crise social decorrente, que vai ceifar a  dignidade nas condições de vida e de trabalho da classe trabalhadora, nas suas várias dimensões – empregados, desempregados, informais, desalentados, micro e pequenos empresários  e a nova categoria econômica, coqueluche do Ultra Liberalismo, os novos “empreendedores”. Temos em perspectiva uma tragédia humana, que vai ceifar da maioria a plena cidadania, a dignidade humana e definir novos valores de vida. Temos em perspectiva uma tragédia, essa evitável, que nos levará ao obscurantismo social, histórico e científico.
Termino rogando para que essa crise que redundará, infalivelmente, em uma nova ordem mundial em todas suas dimensões, não cometa o oportunismo desastroso de enfraquecer a jovem democracia brasileira.

* João Domingos Gomes dos Santos é Presidente da CSPB – Confederação dos Servidores Públicos do Brasil e 1º. Vice-Presidente da CLATE – Confederação Latino Americana e do Caribe de Trabalhadores Estatais.

Secom/CSPB

 

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